Chegando no Território de Guaporé, atual Estado de Rondônia, José Gabriel se insere num ambiente com uma configuração ecológica e sócio-cultural bem distinta da Cidade de Salvador. O extrativismo da borracha, depois de seu período de boom, entre 1890 e 1912, havia em seguida atravessado uma fase de declínio, devido à concorrência no mercado internacional da borracha extraída na Ásia.
Com a Segunda Guerra Mundial, apresentou-se a necessidade de borracha para os exércitos Aliados. Com a assinatura de acordos com os Estados Unidos, o Governo Vargas iniciou uma ampla campanha de recrutamento de trabalhadores, principalmente nordestinos, para a extração gomífera no Norte. Foi criado o SEMTA, Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia, que, somente no ano de 1943, encaminhou 13 mil pessoas, segundo dados oficiais.
No mesmo ano de 1943, José Gabriel integra essa massa de trabalhadores nordestinos que se lançam como “brabos” nos seringais amazônicos. “Brabo é gente que nunca cortou seringa, nunca andou na floresta. Sofremos muito, como brabo” – declara Pequenina, esposa de José Gabriel.
O sofrimento daqueles homens, submetidos a condições de vida e trabalho extremamente penosas, em um ambiente desconhecido, sem o auxílio governamental prometido pela propaganda oficial, ficou bem marcado na memória dos sobreviventes da “batalha da borracha”.
A antropóloga Lúcia Arrais, que está elaborando sua tese de doutorado a respeito dos soldados da borracha, recolheu o seguinte depoimento, de um Sr. Chico, exsoldado da borracha, que bem se assemelha ao da esposa de José Gabriel: “…. a casa dele era bem pequenininha num tinha onde a gente dormir. Dormimo no teto mermo. Carapanã! Carapanã, Lúcia! e agora, a comida? Tudo brabo, tudo… a gente já tinha deixado a Companhia [SEMTA] já… Aí fiquemo aí sofrendo.. fiquemo jogado que nem cachorro na beira do rio… [Qual?] era o Solimões acima de Tefé. Aí eu disse: ‘ombora pessoal! vamo meu povo!, bora cuidar!, bora se virar’.”
Arrais observa que aqueles que conseguiram sobreviver a condições tão adversas foram homens de significativa inteligência e iniciativa, que conseguiram adaptar seus esquemas de percepção e recursos cognitivos à nova realidade em que se encontravam: “Numa atitude de quem vive em estado de autodefesa permanente, o Sr. Chico diz: ‘ombora pessoal! bora se virar!’. E então escolhem uma linha de ação onde predomina a iniciativa e a coragem. Onde prevalece a concentração dos recursos da percepção, da memória e da atenção para dirigir esforços na descoberta de meios capazes de resolver a questão.”
José Gabriel foi um desses homens de aguda inteligência e destreza, que não somente conseguiu sobreviver como chegou a ser considerado pelos seus companheiros como o “Tuxáua”, o seringueiro que coletava maior quantidade de seringa na região. Tais êxitos eram acompanhados de dureza e sofrimento, como quando José Gabriel pisou em uma arraia, e teve de passar “um ano e dez meses sem poder andar, de muleta”.