Descrevendo-se em largos traços a vida de José Gabriel da Costa, fica patente a sua participação numa larga seqüência de configurações culturais muito próprias da sociedade brasileira: o catolicismo popular rural do interior da Bahia, a capoeiragem e os cultos afro-brasileiros de Salvador, a vida sofrida de seringueiro na Amazônia, a experiência de incorporação dos cultos de caboclo, o transe xamânico do hoasqueiro, e, finalmente, a atuação carismática do fundador de um novo movimento religioso.
A maleabilidade, a destreza, a vivacidade e a ginga da capoeira contribuíram para que José Gabriel viesse a elaborar uma inovadora síntese de diversos elementos culturais e religiosos, num culto profundamente adaptado à realidade sócio-cultural amazônica. E não apenas adaptado a esta, mas com virtualidades para se expandir por todo o Brasil, exatamente por ser constituído por uma criação vigorosa que se apropriou de configurações provenientes de diversas regiões brasileiras.
O que ensina Gilberto Freyre pode inspirar a conclusão deste texto: “Verificou-se entre nós uma profunda confraternização de valores e de sentimentos. Predominantemente coletivistas, os vindos das senzalas; puxando para o individualismo e para o privatismo, os das casas-grandes. Confraternização que dificilmente se teria realizado se outro tipo de cristianismo tivesse dominado a formação social do Brasil; um tipo mais clerical, mais ascético, mais ortodoxo; calvinista ou rigidamente católico; diverso da religião doce, doméstica, de relações quase de família entre os santos e os homens, que das capelas patriarcais das casas-grandes, das igrejas sempre em festas – batizados, casamentos, ‘festas de bandeira’ de santos, crismas, novenas – presidiu o desenvolvimento social brasileiro.”
José Gabriel da Costa, nascido nessa sociedade propensa a hibridismos, plena de plasticidade e inclusividade, elabora uma nova religião que também é “doce”, na medida em que privilegia o sentir e propicia ao indivíduo espaço para que ele próprio construa suas reinvenções criativas.